quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Glaciologista desfaz alguns dos principais enganos na percepção que o público brasileiro tem da Antártida*

SIMÕES, Jefferson Cardia

Mesmo após 27 anos de presença do Brasil  na  região,  com a  inauguração da estação Antártica Comandante Ferraz, em 1984, ainda permanecem muitos mitos sobre o ambiente antártico. Mapas em  projeções   geográficas   inadequadas   para   as   regiões   polares   deformam  a  Antártida   além  da compreensão.  (Quem  já observou a posição e forma das regiões polares em um globo? Ou uma comparação do tamanho do Brasil com a Antártida?) Dificulta também a má definição da região tratada   nos   textos,   confundindo   o   continente   propriamente   dito   (cerca   de   13,7  milhões   de quilômetros quadrados) com a região antártica (ou seja, o continente e o oceano Austral juntos). O uso de termos arcaicos (oceano Glacial Antártico) só faz piorar essa situação. 
Na imprensa, a área geográfica  tradicional  de atuação do programa do governo e de velejadores  brasileiros,  e mais recentemente de turistas, a Antártida marítima (aquela mais amena e em grande parte ao norte do Círculo Polar), é apresentada como representativa de toda a região. Isso não reflete a diversidade ambiental! Mas  talvez a causa principal desses erros é o mito que vivemos em um país tropical verdejante com riquezas inesgotáveis, longe e pouco afetado pelas regiões mais frias do planeta. 

Mito este que  também dificulta a compreensão das mudanças  ambientais globais.  Abaixo,   listo alguns dos principais mitos e erros que frequentemente aparecem na imprensa, nos livros do ensino básico ou em conversas sociais.

MITO: O continente antártico é longe do Brasil. 
FATO: A Antártida é o segundo continente mais próximo do país. Porto Alegre está a somente 3.600 km da Estação Antártica Comandante Ferraz.  Ou seja,  Boa Vista (capital  de Roraima) está mais longe (3.776 km).

MITO: O gelo do planeta está no hemisfério Norte, portanto não afeta o Brasil.
FATO: Noventa por cento do volume do gelo do planeta está no continente antártico. O Brasil é o 7º país mais próximo dele.

MITO: O Brasil é um país tropical, portanto pouco afetado pela regiões polares.
FATO: O sistema ambiental é um contínuo e há relações de interdependência.  A circulação atmosférica e oceânica existe   devido   ao   transporte   de   energia   dos   trópicos   para   as   regiões   polares.  Assim,   o   regime climático brasileiro é regido por fenômenos que ocorrem tanto na Amazônia quanto na Antártida.

MITO: Toda a Antártida é extremamente fria.
FATO:  É uma  generalização  indevida.  Tratando-se  de um  continente,   seria  de   esperar  grandes variações na temperatura do ar. Assim, a temperatura média anual na ilha Rei George (onde fica a estação Comandante Ferraz) é de -2,8C, no polo Sul geográfico é de -49C e na estação russa Vostok é de -55C.

MITO: O Brasil tem uma estação no polo Sul.
FATO: Nossa estação antártica está situada a 3.115 km ao norte do polo Sul geográfico. A distância da Estação Antártica Comandante Ferraz ao Chuí é quase a mesma (3.172 km).

MITO: O gelo de toda a Antártida esta derretendo.
FATO: O que está derretendo são aquelas geleiras e plataformas de gelo situadas na região mais amena da Antártida, a península Antártica.
MITO: O continente antártico duplica de tamanho no inverno devido ao congelamento do mar.
FATO: No inverno,  o oceano Austral congela. O gelo pode cobrir até 22 milhões de quilômetros quadrados, mas é uma camada que raramente ultrapassa 1,5 m de espessura. Ou seja, continua a ser um oceano.

MITO: As condições meteorológicas na Antártida mudam rapidamente.
FATO: Uma observação válida para a Antártida marítima. Conforme adentramos no continente, o tempo fica mais estável.

MITO: Na Antártida temos seis meses de luz e seis meses de escuridão. Em toda a região antártica temos o sol da meia-noite.
FATO: Esta observação só é válida para o polo Sul geográfico. Na Estação Comandante Ferraz já não ocorre o sol da meia-noite, pois ela está ao norte do Círculo Polar. Lá, a noite mais curta do ano tem 4 horas e 12 minutos (como uma penumbra).

MITO: Missões polares são similares às de montanhismo.
FATO:  Existem poucos  pontos   em  comum,   além do  frio.  Missões  de  montanhismo  atuam  em terrenos muito íngremes, raramente têm algum interesse científico, geralmente têm curta duração. Uma expedição polar tem características exatamente opostas.

MITO: Roupas polares térmicas têm aquecedores.
FATO: As roupas polares usam o princípio das camadas, onde são criadas camadas de ar (isolante) entre elas. É o calor do próprio corpo que é retido.

MITO: O Programa Antártico Brasileiro (Proantar) é um programa da Marinha.
FATO: O Proantar é um programa nacional, gerenciado pela Secretaria da Comissão Interministerial para os Recursos do Mar. A Marinha é responsável pela logística; as universidades e institutos, pelas pesquisas.

Jefferson Cardia Simões é diretor do Núcleo de Pesquisas Antárticas e Climáticas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.  Liderou a Expedição Deserto de Cristal, primeira missão brasileira ao interior da Antártida
Publicado na Folha de São Paulo.

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