Com dívida pública galopante, cresce a percepção de que benefícios são muito generosos, diz diretor da OCDE
Para professor, crises são oportunidade para mudanças, mas isso não ocorreu até o momento no bloco europeu
Daniel Ochoade Olza - 28.mai.10/Associated Press |
LUCIANA COELHO
DE GENEBRA
A crise que pune a União Europeia mais do que outras partes do mundo já deixa marcas para além da economia. Mais do que a moeda única, o crédito e a credibilidade, outro elemento europeu foi abalado: a fé no sistema de bem-estar social.
"Há uma grande sensação de perda de confiança", diz o professor de biopsicologia Peter Walschburger, da Universidade Livre de Berlim. "É dramático. A crise transformou a confiança em apreensão."
Números da OCDE, organização que conta com 34 das economias mais ricas do mundo, mostram que os governos europeus gastam entre 1/5 (Grécia) e 1/3 (França e Suécia) do seu PIB na rede de amparo social.
É muito acima dos 16% gastos pelos EUA, dos 7% da Coreia ou dos 7,4% do México (a média da OCDE, majoritariamente europeia, é 20%).
William White, diretor da Comissão de Desenvolvimento da OCDE, diz que os cortes anunciados são um paliativo que só tratam de parte do problema, a dívida.
"Há uma percepção, na Europa, de que os benefícios sociais são generosos demais. Há espaço para cortar e manter os gastos para quem realmente necessita", afirma ele. "Isso nunca foi feito com rigor, mas pode ser crucial no futuro", acrescenta.
O foco maior, diz, deve ser o sistema de pensões -o economista de 67 anos acha que os europeus se aposentam cedo demais ao deixar de trabalhar "muito antes da aposentadoria compulsória".
"Os 60 são os novos 40", brinca. "O benefício aí seria duplo, pois as pessoas trabalhariam por mais tempo e pagariam impostos por mais tempo. Até, talvez, poupariam por mais tempo." E isso, afirma, reduziria a vulnerabilidade dos governos.
PATERNALISMO
A tarefa não é simples, sobretudo em países como a Grécia e a Espanha, onde os benefícios são mais arraigados (o governo grego, de 1980 a 2005, dobrou seus gastos sociais).
Isso, diz Walschburger, "infantilizou" a população, que tende hoje a culpar políticos ou forças externas pelo que acontece. De quebra, acirrou a divisão no bloco entre países mediterrâneos e centrais, que se veem como mais "disciplinados" -a formiga ante a cigarra.
Será preciso, diz ele, uma mudança de mentalidade.
Neste primeiro momento, o professor está assistindo a colegas gregos deixarem o país para procurar emprego fora, com mais benefícios. Ampliando o recorte, há as greves gerais -foram cinco somente neste ano.
"Eles são muito emocionais na mentalidade, e esse é o jeito mais fácil de lidar com a questão", afirma, citando ansiedade e depressão disseminadas. "As crises são uma oportunidade de mudança. Mas ainda não vimos essa mudança."
Na íntegra:
Folha de S.Paulo - Crise afeta fé europeia no amparo social - 30/05/2010
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