domingo, 20 de junho de 2010

ONG vai caiar montanha para esfriá-la

Inventor peruano quer lutar contra fim de geleira pintando monte de branco, o que ajuda a refletir a luz do Sol
Medida seria paliativo diante do aquecimento global; especialista diz que problema é mais difícil do que se acha
 Montanha dos Andes peruanos da região de Ayacucho (centro-sul do país), quase sem neve; gelo pode sumir em 20 anos
 
Eduardo Gold, 55, diz que não se importa de ser chamado de louco. Foi assim a vida inteira, e não esperava nada diferente agora, quando resolveu subir os Andes para devolver o branco às montanhas negras pelo degelo.
O trabalho começou há um mês, sem apoio e para troça até da comunidade dos que lutam contra o aquecimento global. Mas Gold está determinado a provar que pintar de branco 

as rochas não é um truque cenográfico.
"É preciso fazer algo imediatamente. Os que lutam contra o aquecimento global só falam sobre mercado de crédito de carbono e estão fechados em suas ideias convencionais", disse ele à Folha, por telefone.
"Nunca imaginei que estaria a 5.000 metros de altura, ao lados dos camponeses, e estou muito feliz. Não acho que o projeto é uma solução definitiva. Mas, se conseguirmos retardar algo do degelo, haverá mais tempo para desenvolver tecnologias."
O raciocínio do peruano, que é inventor amador, foi simples. Sem a cobertura de neve, a montanha andina absorve mais calor do Sol. Novamente branca, a temperatura cai ao menos 50%, porque a luz solar é refletida pela coloração, e é possível ver, ele diz, até uma fina camada de água congelada.
A meta da ONG Glaciais do Peru, que ele criou com outros dois amigos, é cobrir uma área de cem hectares até outubro, antes que as chuvas apertem. O monte escolhido foi o Chalón Sombrero, na região de Ayacucho (centro-sul do Peru).
Os camponeses da comunidade de Licapa foram convidados a ajudar -e recebem cerca de US$ 10 pelo trabalho. No povoado de 900 pessoas sem luz elétrica, ninguém fala de aquecimento, embora a cor negra da montanha seja vista como sinal de mau agouro e perigo.
Se o ministro do Ambiente do Peru, Antonio Brack, já disse que a iniciativa é uma "bobagem", o Banco Mundial vê a coisa de outra maneira. Em novembro, a ONG ganhou um prêmio de US$ 200 mil no concurso "Cem ideias para salvar o mundo".
O Peru abriga 70% dos glaciais em área tropical do mundo. Eles podem acabar desaparecendo em 20 anos.
Porém, para o glaciologista Jefferson Simões, da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), não será a ideia de Gold a responsável por deter o problema. "Mesmo que ele investisse uma fortuna, só atingiria o microclima de uma geleirinha. E daí? Nós tratamos com escalas gigantescas", afirma Simões.
"O balanço de massa [de gelo] não depende só de como a luz solar é absorvida. É importante também a taxa de precipitação de neve, que depende da circulação atmosférica", diz ele.



FLÁVIA MARREIRO é reporter da Folha de São Paulo e escreve de DE CARACA.

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