Como o banco dos BRICS altera a geopolítica
financeira
por Deutsche Welle — publicado 09/07/2015
02h20
Três fatores fazem do Novo Banco
de Desenvolvimento um mecanismo capaz de diversificar as possibilidades de
cobrir o déficit de infraestrutura dos países emergentes, fora do eixo
EUA-Europa
A sétima
cúpula dos Brics, que começou nesta quarta-feira 8, na cidade russa de Ufá,
simboliza um impulso para a consolidação do Novo Banco de Desenvolvimento (NBD). A
instituição criada em julho de 2014 pelas nações que integram o grupo de emergentes – Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul – pretende financiar os primeiros projetos de
desenvolvimento sustentável em países pobres já a partir do ano que vem.
Para
especialistas ouvidos pela DW Brasil, o banco dos BRICS marca um
fenômeno amplo: a diversificação das fontes de financiamento para
cobrir o grande déficit de infraestrutura nos países emergentes.
"É a
primeira instituição financeira de caráter global que não é liderada pela
Europa ou pelos Estados Unidos", diz Oliver Stuenkel, professor de
Relações Internacionais da FGV-SP. "Esse banco simboliza o fim do domínio
de algumas instituições, como o Fundo Monetário Internacional e o Banco
Mundial."
O acordo
para a criação do banco de fomento a investimentos públicos entrou
em vigor no dia 3 de julho. O banco terá sede em Xangai, na China, e será
presidido durante um primeiro mandato de cinco anos pelo indiano K. V. Kamath.
O capital inicial é de 50 bilhões de dólares, somado a um fundo de resgate
financeiro – Arranjo Contingente de Reservas – no valor de 100 bilhões de
dólares. Os líderes dos BRICS definem os detalhes do funcionamento da
instituição nesta quarta e quinta-feira, durante a cúpula.
Para
Adriana Abdenur, pesquisadora do Brics Policy Center, centro de pesquisas ligado
à PUC-RJ, a importância do banco para a economia brasileira vai depender do
nível de envolvimento das empresas do país nos projetos financiados pela
instituição.
"Embora
nossas construtoras tenham bastante experiência em projetos de infraestrutura
pesada, elas se encontram num momento conturbado, com a Operação Lava-Jato
atingindo as chamadas 'campeãs nacionais'", explica.
Segundo a
pesquisadora, a participação brasileira terá mais valor político do que
econômico no início, mas poderá abrir portas para oportunidades importantes no
plano econômico.
O
professor da FGV destaca que é importante para o Brasil participar da criação
do banco, mesmo num momento de crise econômica. "Fazer parte da
implementação desse banco apesar da crise interna e dar sua contribuição pode
aumentar a legitimidade do Brasil nos debates globais", opina.
No
cenário mundial, o banco dos Brics é visto como um instrumento capaz de alterar
a geopolítica financeira. Listamos três fatores:
O PIB da
China é maior que o dos demais países do BRICS somados. O controle que o
capital chinês pode exercer sobre os outros emergentes do grupo divide os
especialistas. Stuenkel vê o banco como uma oportunidade de
"legitimizar" e "despolitizar" o dinheiro chinês, já que os
recursos da instituição provêm de todos os países.
"Isso
possibilita a aplicação de capital nos outros BRICS sem ser oficialmente
'dinheiro chinês'. É muito melhor ter a China dentro de instituições como essa
do que lidar com o país de forma bilateral", diz. Ele também considera
positivo o fato de a China concordar em seguir normas e regras de transparência
para se integrar à instituição bancária.
Segundo
Abdenur, o novo banco serve como instrumento de pressão para que mudanças
concretas ocorram nas grandes instituições financeiras mundiais. O FMI e o
Banco Mundial, criados em 1944 pelo Acordo de Bretton Woods, não cedem quando o
assunto é dar mais voz e maior poder de decisão a países em desenvolvimento.
"Para
os emergentes, é extremamente saudável poder contar com várias fontes de financiamento,
o que talvez também ajude a aumentar a eficácia das próprias instituições de
Bretton Woods", avalia Abdenur.
"Os
membros dos BRICS, assim como outros países emergentes, reivindicam reformas há
anos", assinala Stuenkel. "O Banco Mundial, por exemplo, não consegue
suprir a falta de infraestrutura na África e na Ásia."
Georgy
Toloraya, diretor do Comitê Nacional de Pesquisa dos BRICS, com sede em Moscou,
avalia que a nova instituição não pode, por exemplo, substituir o Banco
Mundial, mas pode complementar o financiamento aos emergentes. Segundo ele, o
NBD não terá o mesmo arranjo de reserva que o FMI, mas poderá ser usado em
situações de emergência.
Para
Stuenkel, o desafio do Brasil é evitar que a Rússia converta o BRICS numa
"plataforma antiocidental". "Moscou pode tentar incluir uma
linguagem de confronto na declaração final da cúpula, mas os outros países não
vão deixar", aposta. "O objetivo brasileiro é conseguir ter boas
relações com todas as partes e evitar que o BRICS se torne algo radicalizado."
A criação
do banco assumiu uma importância especial para a Rússia, em função das tensões
vividas entre o país e o Ocidente no último ano, na opinião de Andrey
Vinogradov, diretor do Centro para Pesquisa Política da Academia Russa de
Ciências.
"Num
primeiro momento, o banco do Brics será um complemento a essas instituições. E,
na minha opinião, a concorrência geralmente faz a eficiência aumentar",
diz Vinogradov.
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